domingo, 10 de fevereiro de 2019
Por que mulheres com deficiência possuem maior risco de sofrer violência sexual?
A violência sexual gera severos efeitos em mulheres de diversas idades e em todo o mundo. Traumas físicos, emocionais e mentais assolam as vítimas para o resto de suas vidas. Em 2018, de acordo com o Atlas da Violência, o Brasil registrou 164 casos de estupro por dia. De acordo com a mesma pesquisa, 51% das vítimas possuem menos de 13 anos. Em 30% dos casos, a violência é cometida por amigos ou familiares e em 24% pelo pai ou padrasto. Esse dado explicita que na maioria das vezes, tal agressão acontece com pessoas que possuem contato próximo com a mulher.
Outro fato que agrava o quadro da violência sexual no país é a subnotificação. De acordo com pesquisa do Ipea de 2014, estima-se que no mínimo 527 mil pessoas são estupradas por ano e destas, apenas 10% são notificadas a polícia, demonstrando que a maioria dos casos não chega ao conhecimento e punição do poder público. Ainda, 89% das vítimas são do sexo feminino.
De fato, mulheres são as principais atingidas por esse trágico contexto. Alguns marcadores sociais colocam-as em posições de ainda mais vulnerabilidade. Mulheres pobres e pretas, por exemplo, são expostas mais cedo à sexualização e portanto, desde a adolescência ou até mesmo durante a infância, têm seus corpos erotizados. Dentro disso, as mulheres com deficiência estão na ponta da ausência de proteção e da possibilidade de sofrer violência sexual durante a sua vida.
O Fundo de População das Nações Unidas no Brasil aponta que 40% a 68% das mulheres com deficiência irão sofrer violência sexual antes dos 18 anos de idade. Também, o Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan), em 2016, mostrou que 1 à cada 10 mulheres que sofreram violência naquele ano possuem alguma deficiência.
Baseado em atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS), 8% dos atendimentos de mulheres em casos de violência são de vítimas com deficiência. Não obstante, a International Network of Women with Disabilities (INWWD), composta por organizações, grupos e redes de mulheres com deficiência em âmbito internacional, apontou que 40% das mulheres com deficiência em todo o mundo são vítimas de violência doméstica.
Já é fato consumado e de conhecimento público que as estatísticas de violência sexual no Brasil são alarmantes. Mas quando se trata de mulheres com deficiência, o buraco é bem mais embaixo. Pois além dos números serem desastrosos, as políticas públicas são escassas. Na Lei Maria da Penha (nº11.340), a pena é aumentada em um terço quando a violência cometida é contra uma mulher com deficiência.
A Lei Brasileira de Inclusão (LBI, nº13.146) coloca como dever do Estado a efetivação dos direitos referentes à sexualidade da pessoa com deficiência. Também, coloca que a curatela (quando a pessoa com deficiência é dependente de um familiar) não alcança o direito ao corpo e sexualidade. Ou seja, a pessoa responsável pelo cuidado com o seu curatelado não possui domínio sobre as suas decisões sexuais e reprodutivas.
A LBI coloca que os casos de suspeita ou de confirmação de violência praticada contra a pessoa com deficiência serão objeto de notificação compulsória pelos serviços de saúde públicos e privados à autoridade policial e ao Ministério Público, além dos Conselhos dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Contudo, a violência sexual ainda ocorre de maneira deliberada, subnotificada e sem penalização. Por quê?
Cultura da Violência
Em um país com ausência de medidas em acessibilidade e inclusão, pessoas com alguma deficiência motora ou intelectual dependem de pessoas próximas para cumprir até mesmo as suas necessidades básicas. A ausência de autonomia é um fator ponderante para colocar um indivíduo à margem do abuso e da violência.
Não poderia deixar de citar a negligência do Estado em gerar possibilidades de acesso para pessoas com deficiência. A calçada sem acessibilidade influencia direta e indiretamente no cotidiano de uma mulher cadeirante que sofre violência sexual do marido e não consegue denunciar, por exemplo. A exclusão da escola, das universidades e cursos profissionalizantes, do mercado de trabalho, dos espaços de cultura e lazer também alimentam essa cadeia de desigualdade. A discussão sobre como superar essa realidade catastrófica deve ultrapassar o plano das penalidades.
A falta de acesso aos órgãos públicos começa quando a informação não chega para a comunidade de pessoas com deficiência. Mulheres com deficiência intelectual, principalmente, possuem mais dificuldade em identificar uma violência ao se deparar com ela e quando essa é praticada por um indivíduo responsável por seus cuidados, o reconhecimento torna-se mais distante ainda.
Muitas pessoas com deficiência não possuem sequer conhecimentos gerais e simplórios por não terem acesso à educação, quiçá detêm consciência das leis que as protegem. O Estado criou uma cultura de em que pessoas sem deficiência e com acesso à legislação levam o benefício da proteção para indivíduos com dificuldade de desenvolvimento motor e intelectual. Nas situações em que o cuidador ou familiar da pessoa com deficiência são os seus violentadores, quem poderá defendê-la?
A vulnerabilidade anda lado a lado da mulher com deficiência, enquanto a sociedade e o Estado se fazem alheios à essa realidade. Ao sofrer violência sexual, muitas não possuem sequer a possibilidade de contar para alguém. Outras, são abusadas pelo indivíduo que deveria ser responsável pelo seu bem-estar. Isso, quando as vítimas não ficam à deriva de um serviço de denúncias que não oferece acessibilidade arquitetônica, intérprete de libras, informações em braille ou atenção psicossocial apropriada.
Deus nos acuda, porque a justiça não vai acudir.
Essa é uma demanda urgente. Uma possibilidade seria redigir em braile a lei 11.340/2006 Lei Maria da Penha. Incluir o estudo de libras para os profissionais da Saúde, Segurança pública, DEAMs, e profissionais da Assistência Sociais dos CRAS CREAS e setores que atuam com a violência contra as mulheres.
ResponderExcluirArtigo maravilhoso! Parabéns amigaaa
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